A delação premiada nunca esteve tanto em evidência. Em tempos de
operação Lava Jato, à medida que surgem novos nomes envolvidos com o
esquema de corrupção na Petrobras, amplia-se também o número de acordos
de colaboração firmados com investigados em troca do alívio de suas
penas.
Mecanismo de investigação e obtenção de prova, a delação premiada foi
introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 8.072/90
(Lei dos Crimes Hediondos), em seu artigo 8º, parágrafo único.
Posteriormente, sua aplicação também passou a ser prevista em outras
normas, a exemplo da Lei 11.343/06, da Lei 12.529/11 e até mesmo do Código Penal, artigo 159, parágrafo 4º.
Somente em 2013, entretanto, com a edição da Lei 12.850,
que prevê medidas de combate às organizações criminosas, foi que a
delação premiada passou a ser regulada de forma mais completa, agora sob
o título de colaboração premiada.
Conceito e aplicação
“O instituto da delação premiada consiste em ato do acusado que,
admitindo a participação no delito, fornece às autoridades informações
eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime.” O conceito é
da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aplicado no
julgamento do HC 90.962.
Segundo o entendimento do colegiado, não basta que o investigado
confesse sua participação no crime. Ainda que conte detalhes de toda a
atividade ilícita e incrimine seus comparsas, ele só fará jus aos
benefícios da delação premiada se suas informações forem efetivamente
eficazes para a resolução do delito.
No caso apreciado, o colegiado entendeu não haver nos autos nenhuma
informação que atestasse que a contribuição do paciente foi utilizada
para fundamentar a condenação dos outros envolvidos. Assim, foi
reconhecida apenas a atenuante da confissão espontânea.
Em outra oportunidade, no julgamento do HC 84.609,
a Quinta Turma se pronunciou a respeito da aplicação conjunta dos
benefícios da confissão espontânea e da delação premiada. O habeas
corpus foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP) que afastou a aplicação da redução de pena prevista no artigo 14
da Lei 9.807/99 (delação premiada) sob a justificativa de já ter sido
aplicada a atenuante da confissão espontânea na adequação da pena.
A relatora, ministra Laurita Vaz, determinou que o tribunal de origem
rejulgasse a apelação para que, afastada a impossibilidade da aplicação
simultânea, fosse analisada a existência dos requisitos para a
concessão do benefício.
“Ante a impossibilidade de valorar os elementos colhidos durante a
fase policial, bem como aqueles obtidos durante a instrução processual,
na estreita via do habeas corpus, é o caso de se determinar seja
procedida nova análise do pleito pelo Tribunal de Justiça”, concluiu a
ministra.
Incidência obrigatória
Ainda naquele julgamento, o TJSP entendeu que o deferimento dos
prêmios da delação não seria um direito líquido e certo, mas uma decisão
discricionária do órgão julgador. O acordão da Quinta Turma também
reformou esse entendimento. Segundo o colegiado, “preenchidos os
requisitos da delação premiada, sua incidência é obrigatória”.
Foi exatamente o que aconteceu no julgamento do HC 26.325.
No caso, as instâncias inferiores reconheceram que as informações
fornecidas pelo paciente, envolvido em crime de sequestro, efetivamente
indicaram o local do cativeiro e a localização dos coautores, o que
possibilitou à polícia libertar as vítimas.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo, contudo, concedeu o
benefício apenas a um dos réus. Como apenas este reclamou na apelação o
direito aos benefícios da delação premiada, o acórdão estadual deixou de
analisar a possibilidade de estender os efeitos ao outro réu
colaborador.
No STJ, a decisão foi anulada em parte, a fim de que fosse proferido
novo acórdão com a observância da incidência da delação premiada.
Mensalão do DEM
No início de abril, Durval Barbosa – delator do esquema de corrupção
no governo do Distrito Federal conhecido como Mensalão dos Democratas
(DEM) – não conseguiu estender os benefícios de sua delação premiada à
condenação por improbidade administrativa (REsp 1.477.982).
Em razão de sua colaboração no âmbito da operação Caixa de Pandora,
da Polícia Federal, que desbaratou o esquema de corrupção, ele tentava
obter o perdão judicial por aplicação analógica dos artigos 13, 14 e 15
da Lei 9.807 e do artigo 35-B da Lei 8.884/94 à condenação por improbidade.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou o pedido. Uma das
justificativas foi que a colaboração de Barbosa no processo por
improbidade não foi imprescindível para a apuração das irregularidades,
que decorreu de documentação oriunda do Tribunal de Contas do Distrito
Federal.
O recurso ao STJ nem chegou a ultrapassar a barreira do conhecimento.
O relator, ministro Og Fernandes, da Segunda Turma, reconheceu que a
Lei 8.884/94 (vigente na época) previa a possibilidade de extinção da
ação punitiva da administração pública mediante colaboração, mas como
Barbosa não impugnou o argumento de que seu depoimento foi prescindível
para o deslinde do caso, foi aplicada a Súmula 283 do Supremo Tribunal
Federal (STF).
De acordo com essa súmula, o recurso não pode ser admitido quando a
decisão recorrida se apoia em mais de um fundamento suficiente e o
recorrente não impugna todos eles.
Prêmios da delação
Os prêmios de um acordo de delação podem ir desde a diminuição da
pena até o perdão judicial. Cabe ao magistrado decidir qual medida deve
ser aplicada ao caso. Em relação a essa discricionariedade, o artigo 4º,
parágrafo primeiro, da Lei 12.850 disciplina que o magistrado deve
levar em consideração “a personalidade do colaborador, a natureza, as
circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a
eficácia da colaboração”.
Qualquer que seja a opção do juiz, entretanto, essa decisão deverá ser fundamentada. No julgamento do HC 97.509, também na Quinta Turma, o colegiado entendeu que “ofende o princípio da motivação, consagrado no artigo 93,
IX, da Constituição Federal, a fixação da minorante da delação premiada
em patamar mínimo sem a devida fundamentação, ainda que reconhecida
pelo juízo monocrático a relevante colaboração do paciente na instrução
probatória e na determinação dos autores do fato delituoso”.
No julgamento do HC 49.842,
por exemplo, impetrado em favor de um investigador de polícia condenado
por extorsão mediante sequestro, a Sexta Turma do STJ entendeu que não
foram preenchidos os requisitos do perdão judicial devido à
“reprovabilidade da conduta”, mas foi concedida a redução da pena em
dois terços.
Delator arrependido
Pode acontecer de o delator voltar atrás e renegar as informações que
tenha fornecido. Se houver arrependimento, não haverá benefícios da
delação premiada, uma vez que o magistrado não poderá valer-se dessas
informações para fundamentar sua decisão.
A ministra Laurita Vaz confirmou esse entendimento no HC 120.454,
de sua relatoria. No caso, houve colaboração com a investigação durante
o inquérito policial, porém o paciente se retratou em juízo.
No habeas corpus, a defesa alegou que o paciente havia contribuído
para a investigação policial, confessando o crime e delatando todos os
corréus, e por isso pediu o reconhecimento da causa de redução de pena
prevista no artigo 14 da Lei 9.807.
A Quinta Turma, por unanimidade, acompanhou a relatora, para a qual,
embora tenha havido colaboração inicial, “as informações prestadas pelo
paciente perdem relevância, na medida em que não contribuíram, de fato,
para a responsabilização dos agentes criminosos”.
De acordo com a ministra, o juiz nem sequer pôde utilizar tais
informações para fundamentar a condenação, visto que o delator se
retratou em juízo. “Sua pretensa colaboração, afinal, não logrou
alcançar a utilidade que se pretende com o instituto da delação premiada
a ponto de justificar a incidência da causa de diminuição de pena”,
disse Laurita Vaz.
Publicidade da delação
Segundo o artigo 7º da Lei 12.850, “o acordo de colaboração premiada
deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia”. Ou seja, o
contraditório e a ampla defesa só serão exercidos depois de concluídas
as diligências decorrentes das informações obtidas com a colaboração
premiada.
Em outro caso envolvendo o mensalão do DEM, no julgamento da APn 707,
Domingos Lamoglia – conselheiro afastado do Tribunal de Contas do
Distrito Federal e também denunciado – alegou ofensa ao princípio do
contraditório por não ter tido acesso à íntegra do acordo e dos
documentos da delação premiada que o incriminou.
A Corte Especial do STJ não acolheu seus argumentos. O acordão citou
jurisprudência do STF segundo a qual o corréu pode ter acesso ao nome
dos responsáveis pelo acordo de delação, mas esse direito não se estende
às informações recebidas.
“Tendo sido formulado o acordo de delação premiada no curso do
inquérito policial, em razão do sigilo necessário, não há falar em
violação ao princípio do contraditório”, concluiu o colegiado.
Prova de corroboração
A Lei 12.850 também estabelece de forma expressa que
“nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas
declarações de agente colaborador”. Ou seja, as informações procedentes
da colaboração premiada precisam ser confirmadas por outros elementos de
prova – a chamada prova de corroboração.
No HC 289.853,
julgado pela Quinta Turma, um homem condenado por roubo alegou nulidade
absoluta de seu processo ao fundamento de que não teve a oportunidade
de se defender quando foi acusado por um corréu em delação premiada.
Disse ainda que as provas apresentadas seriam insuficientes para
incriminá-lo.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), no
recurso de apelação, rechaçou essas alegações. Segundo o acórdão, a
sentença condenatória teve amparo em vasto conteúdo probatório, como o
depoimento de vítimas e de testemunhas e registros telefônicos.
O relator no STJ, ministro Felix Fischer, ressalvou a
impossibilidade do uso do habeas corpus para verificação das provas
tidas como suficientes pelo TJMT, mas ratificou o entendimento de que a
sentença não poderia se embasar apenas nas informações dadas pelo
delator.
“A condenação não se baseou tão somente em depoimento extraído da
delação premiada, amparando-se, outrossim, em elementos coligidos tanto
na fase inquisitorial quanto judicial, não havendo falar em nulidade do
processo por ofensa ao contraditório e ampla defesa”, concluiu o
ministro.
Extraído do site do STJ.
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